3/30/2021

Biocombustíveis avançados: uma corrida de obstáculos

A aposta na bioenergia permitir-nos-á atingir a neutralidade carbónica e cumprir as várias metas estabelecidas pela União Europeia (UE), ao mesmo tempo que diminuímos a dependência energética de Portugal. Os biocombustíveis não só são a fonte renovável mais justa e mais eficaz para uma mobilidade sustentável, como impulsionam a economia do país, através da criação de riqueza e de empregos.

Ao promover a aposta nos biocombustíveis avançados, que se distinguem dos convencionais pela utilização de resíduos, como óleos alimentares usados e outros, estamos não só a diminuir a sua potencial pegada ambiental – já que, por exemplo, 1 litro de óleo polui cerca de 1 milhão de litros de água –, mas também a promover a economia circular, uma vez que, não estamos a criar um produto novo, mas sim a reutilizar o que já existe.

O Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC), alinhado com a ambição de atingir a neutralidade carbónica até 2050, prevê a incorporação de 47% de fontes renováveis no consumo final bruto de energia, o que contribuirá para o alcance das metas de redução em 40% (face a 2005) das emissões de gases com efeito de estufa dos transportes, o setor responsável por um quarto das emissões da União Europeia. No entanto, com o contributo dos biocombustíveis avançados, seria possível superar em, pelo menos, 10% a ambição do PNEC.

A solução mais impactante e acessível

Os biocombustíveis avançados têm inúmeras vantagens para uma rápida e justa transição energética nos transportes, começando, desde logo, pelo seu efeito imediato na redução de emissão de gases de carbono - se compararmos com o gasóleo, a diferença é de cerca de 84%, ou, até mesmo, com o elétrico convencional, a redução é de 67%. Adicionalmente, não exigem a aquisição de novos veículos ou de novas infraestruturas, uma vez que são incorporados nos combustíveis que já utilizamos, distribuídos através de infraestruturas existentes (oleodutos, tanques, mangueiras), disponíveis nos postos de abastecimento que já utilizamos, movendo os veículos que já temos, sendo, por isso, a forma mais imediata de qualquer condutor se tornar mais sustentável. Outros dois fatores de diferenciação são que, contrariamente à eletricidade e ao hidrogénio, os biocombustíveis avançados podem ser utilizados na aviação, um setor com um elevado impacto ambiental, e não influenciam o preço dos alimentos, nem implicam desmatamento, uma vez que não competem pelo cultivo de produtos alimentares.

Ainda assim, o seu potencial estende-se à economia, uma vez que, o desenvolvimento desta indústria em Portugal representaria uma maior recolha – há uma grande quantidade de óleo alimentar usado, que é altamente danoso para o meio ambiente, a ser utilizado, mas apenas uma pequena parte deste a ser recolhida e reutilizada –, mais produção e comercialização, significam mais emprego e o posicionamento de Portugal como um líder europeu no setor dos biocombustíveis avançados.

Por percebermos os potenciais impactos desta solução, acreditamos que é possível até 2025 incorporar 14% de energia renovável nos transportes. Que diferença faria este aumento de meta nos objetivos de descarbonização?

Os obstáculos desta corrida

Os biocombustíveis sustentáveis são a única alternativa complementar que permitirão a Portugal alcançar as metas de descarbonização do setor energético. Contudo, alguns desafios se impõem e limitam o crescimento desta indústria, sendo o mais imediato a transposição da RED II.

Torna-se essencial observar o que está a ser feito em toda a União Europeia, para alinhar a estratégia do país e posicioná-lo na liderança nas energias renováveis, nomeadamente nos biocombustíveis avançados.

1. Metas de energias renováveis no consumo final de energia conservadoras

O setor dos transportes gera um quarto das emissões de gases com efeito de estufa na União Europeia, pelo que as suas obrigações devem ser proporcionais.

São vários os exemplos de Estados-membros onde a preparação da transposição da RED II é mais ambiciosa, como é o caso da Finlândia, da Suécia e da Holanda, onde as metas para 2030 relativas à quota de renováveis no consumo final de energia nos transportes situa-se nos 30%, 47,7%, e 27,1%, respetivamente. O PNEC define a quota de 20% de energias renováveis a incorporar no setor dos transportes até 2030. Nesse sentido, a transposição da RED II para Portugal deveria manter como meta mínima esse valor, do qual 3,5%, no mínimo, seriam biocombustíveis avançados.

2. Normas limitativas para a introdução de B+ no consumo nacional

Vistos os benefícios da bioenergia e o seu potencial, faz sentido adotar um novo standard de combustíveis, que não permita retrocessos na incorporação dos biocombustíveis. Atualmente, a norma é a incorporação no gasóleo de 7% (B7), mas poderia ser de 10% (B10) ou 15% (B15), assim como poderia passar de 5% (E5) para 10% (E10) na gasolina.

Não é preciso ir longe para encontrar incorporações mais elevadas, por exemplo, aqui mesmo ao lado, em Espanha e França, é possível abastecer o carro com um combustível B20. Mas, o mais interessante de observar é que é possível conseguir incorporações maiores nos pesados, um dos maiores consumidores de combustível do setor. É possível substituir o gasóleo profissional por um biocombustível sustentável e reduzir significativamente as emissões, sem comprometer a potência e desempenho dos veículos.

3. A importância da manutenção da dupla contagem de títulos de biocombustíveis avançados

Quando falamos de B7, este valor pode representar uma incorporação no produto físico ou o equivalente em títulos de biocombustível (TdB), que equivalem a uma percentagem produzida. Ou seja, os combustíveis apresentam uma taxa de incorporação de biocombustíveis na ordem dos 7%, mas não significa que estejam incorporados, significa apenas que foram produzidos.

A manutenção da dupla contagem é indispensável para o cumprimento da meta de renováveis nos transportes em Portugal e para apoiar esta indústria em desenvolvimento. Este regime é considerado um sucesso nos países que o implementaram, nomeadamente Holanda, França, Alemanha, Áustria, Itália e Dinamarca. Os que não o fizeram ficaram para trás em termos de desenvolvimento económico, tecnológico e social, continuando a utilizar óleos vegetais com elevados riscos ambientais, perdendo potencial de transição energética e dificultando o cumprimento das metas da UE.

Apesar de muitos terem optado por este regime de incentivo, poucos se podem orgulhar de ter tido tão bons resultados como Portugal. Atualmente, mais de 60% dos biocombustíveis sustentáveis produzidos no país são sujeitos ao regime de dupla contagem, responsável pela redução de 649 mil toneladas de CO2 (face à utilização de gasóleo).

4. O CAP 1.7 necessita de ser atualizado

A RED II prevê a continuação e reforço dos incentivos a todos os biocombustíveis avançados, mas prevê também um CAP de 1,7% para a sua contribuição. Isto representa um retrocesso muito significativo na transição energética nacional e coloca em dificuldade a indústria nacional, uma vez que, em Portugal, a integração já se situa acima dos 3% e a tendência devia ser de crescimento. Assim, cabe aos Estados-membros pedirem a isenção do CAP e continuarem a desenvolver as suas estratégias para a contínua evolução deste setor.

Os biocombustíveis avançados têm evoluído a passos largos em Portugal e posicionamo-nos nos lugares de topo a nível europeu, com uma indústria ainda em desenvolvimento, mas com vários players a contribuir de forma muito significativa para apoiar a transição energética no país. Devemos, por isso, olhar para estes obstáculos não como impedimentos, mas como desafios para os quais devemos contribuir ativamente para que sejam superados e eliminados, não só no nosso território, mas para toda a UE.