11/2/2022

Entrevista ABA: “Ainda podemos explorar muito do potencial da bioenergia”

Fique a conhecer mais sobre o conceito de bioenergia, matérias-primas utilizadas na sua produção e potencial de utilização para um futuro mais sustentável nesta entrevista com Ana Calhôa, Secretária-geral da ABA.

Os biocombustíveis também são bioenergia?

Sim, a bioenergia avançada é toda a energia que é produzida a partir de resíduos. Daí que utilizemos os termos de “avançado”, ou “a partir de resíduos e outros avançados”. Não nos referimos só a partir de resíduos como óleos alimentares usados, mas também, por exemplo, a partir do biometano, que nos traz o biogás. Tudo isso é bioenergia avançada.

Onde é possível utilizar a bioenergia?

Para já, o grande foco está nos transportes. A mobilidade é o setor que mais contribui para a emissão de GEE, gases que poluem o ambiente com altas percentagens de CO2. A partir da maior incorporação de biocombustíveis de resíduos, que podemos utilizar de forma imediata na frota automóvel hoje disponível no mercado, conseguimos contribuir para descarbonizar este setor.

Mas existe maior potencial no uso da bioenergia, expandindo para a indústria e consumo doméstico. Há diversos projetos piloto para utilizar estas fontes alternativas, sendo que existe espaço para explorar muito do potencial da bioenergia, e para o alcançarmos é importante que exista uma boa estratégia para cada tipo de energia alternativa, em linha com as diretrizes da Europa.

De que modo é que os biocombustíveis contribuem para a preservação do ambiente?

Falamos dos biocombustíveis como uma energia mais “verde” que, pelo facto de reaproveitar resíduos já existentes, vem promover uma circularidade na economia e valorizar o ciclo de vida destas matérias. Aproveitando, por exemplo, óleos alimentares usados (OAU) ou borras de café, que acabariam por poluir aterros ou oceanos, estamos também a contribuir para conservar ecossistemas, enquanto geramos energia.

A partir do trabalho concertado de diferentes entidades, parceiras da ABA, conseguimos estar presentes em toda a cadeia de valor destes biocombustíveis, desde a recolha ao tratamento dos resíduos, que são reciclados e transformados em energia para a mobilidade.

As fontes fósseis ainda dominam o discurso público?

Nestes três anos de existência da ABA, temos observado um crescente interesse e conhecimento de fontes alternativas às fósseis. Há uma grande evolução do conceito da bioenergia e dos biocombustíveis, um reconhecimento maior do seu potencial, e isso é visível nas diretivas não só a nível da União Europeia, como em Portugal. Antes, os planos delineados para a descarbonização não contemplavam sequer esta alternativa avançada; mas, hoje, dão destaque a esta energia. Ainda assim, este é um trabalho constante; temos de continuar a divulgar o que é a bioenergia avançada, explicar os seus benefícios e, sobretudo, desconstruir “mitos” e preconceitos insustentáveis à luz do progresso técnico e tecnológico que hoje presenciamos.

A separação de resíduos para reciclagem, ao nível doméstico, é uma estratégia relevante?

Sem dúvida, sim. É importante contribuir para informar e sensibilizar todos os cidadãos para a relevância que os seus resíduos assumem não só na preservação do meio, através da reciclagem correta, como também da criação de energias mais sustentáveis. A ABA tem tido um papel importante nesta missão de valorização da bioenergia avançada, juntamente com cada uma das empresas associadas, e estamos num bom caminho para alcançar maior conhecimento e reconhecimento para o potencial dos biocombustíveis.

Num âmbito comercial, pelo facto de conseguirmos trabalhar em proximidade com entidades no setor HORECA (hotelaria, restauração e cafés), onde esta produção de resíduos é superior, conseguimos não só estar na origem dos resíduos e promover a sua recolha e reutilização, como também alertar estes players para a importância deste processo.

Ao mesmo tempo, também assistimos à disponibilização de métodos para recolha de resíduos no setor doméstico e comercial, com pontos específicos para colocar, por exemplo, óleo alimentar ou cápsulas de café. Além dos “ecopontos” que já nos são mais familiares, como das embalagens, vidro ou papel, estas opções para separar os resíduos com cada vez maior detalhe vão fazer também parte do nosso dia a dia.

Nesse sentido, quem tem um papel importante neste ciclo?

Passa realmente por todos nós. Ao envolver cada cidadão neste processo de valorização dos resíduos, de compreensão do seu potencial, abrimos caminho a uma sociedade mais informada. Os jovens, pelo seu envolvimento e papel ativo socialmente, conseguem também levar esta missão mais longe. As autarquias, naturalmente, devem estar alerta para as necessidades e exigências da sua população ao nível de ferramentas e soluções para que esta possa reaproveitar os seus resíduos. E, por consequência, todas as entidades envolvidas, associações e Governo, devem estar consertados numa mesma missão.

De que forma está já a transição energética em curso? Que desafios existem?

As metas da UE para a descarbonização nos próximos 10 e 20 exigem mudanças na mobilidade, por isso é importante, desde já, começarmos a trabalhar nesta mudança de mentalidade e promoção de alternativas sustentáveis. Haverá sempre resistência, por isso mesmo é importante que a transformação seja feita de forma gradual - mas que seja, efetivamente, feita. Nem todos os países estão no mesmo estágio desta transição e quem lidera mostra como é possível abraçar e implementar a mudança. A bioenergia está a crescer, gradualmente surge maior interesse e mais informação de confiança sobre estas alternativas, existem estímulos em diferentes setores para que haja mais produção e maior diversidade. O aumento da disponibilização de diferentes fontes de energias renováveis é essencial para promover a escolha e, sobretudo, o consumo em alternativa a fontes fósseis e poluentes. Só vamos conseguir alcançar esta neutralidade carbónica se atendermos às características de cada país e de cada mercado, adaptando mas fomentando a mudança, integrando um mix das fontes mais sustentáveis em cada realidade. Há muito espaço para o crescimento da bioenergia, potenciado por diferentes players de relevo que se alinham pela vontade, pela tecnologia e pelos recursos que já existem.