5/11/2022

Entrevista EBA: “o nosso mercado é composto por pequenos produtores que juntos poderiam suprir uma grande parte da necessidade total de gás na Europa, substituindo-o por um gás verde"

Fundada em 2009, a Associação Europeia de Biogás (EBA) nasceu com o propósito de promover a implantação da produção e utilização sustentável de biogás na Europa. Para conhecer melhor o trabalho da associação que conta já com membros de cerca de 30 países europeus, falámos com Harmen Dekker, CEO da EBA.

O que é a EBA e o que motivou a sua fundação?

Harmen Dekker: A Associação Europeia de Biogás promove o reconhecimento do bio metano e de outros gases renováveis enquanto fontes de energia sustentáveis, disponíveis e flexíveis, que têm múltiplos impactos positivos a nível socioeconómico e ambiental.

Em conjunto com os nossos membros, trabalhamos junto das instituições europeias, da indústria, de parceiros agrícolas, ONGs e instituições académicas para desenvolver políticas que permitam a utilização em larga escala de gases renováveis e fertilizantes orgânicos em toda a Europa.

No fundo, o nosso trabalho é apresentar os gases renováveis aos membros decisores da União Europeia e explicar-lhe por que razão são uma alternativa a outras fontes de energia não sustentáveis.

Qual o papel dos gases renováveis no desenvolvimento económico e na proteção ambiental?

HD: Na Europa existem três fontes de energia renováveis que terão um contributo muito significativo para a transição energética, são eles: o biogás/ bio metano, a eletricidade e o hidrogénio verdes.

De entre todos, o biogás/biometano é a única fonte de energia desta categoria de dimensão, escalável, que não depende da eletricidade renovável. Pelo facto de estarem disponíveis no mercado, possibilitam que comecemos a reduzir as emissões de gases de efeito de estufa de imediato. Além disso, ao utilizarem resíduos como matéria-prima, promovem a biodiversidade, contribuem para a melhoria do solo, através de fertilizantes orgânicos que substituem os químicos com elevado teor de GEE e, produz energia renovável no processo. Por fim, não requerem a construção de novas infraestruturas, uma vez que as já existentes podem ser utilizada para uma vasta gama de fins, desde mobilidade, indústria e construção para aquecimento e cozedura.

O potencial desta energia renovável na Europa é realmente impressionante quando pensamos que, em 2050, juntos, o biogás e o biometano podem suprir entre 30 a 50% as necessidades de gás de hoje em dia no território europeu. A somar a isto, sabemos hoje que o biometano pode ser uma alternativa renovável de emissão zero para os veículos pesados de mercadorias. Isto porque ao longo do processo, capturam-se mais gases com efeito de estufa do que os emitidos, tornando as emissões negativas.

Com isto percebemos que os gases renováveis têm uma relevância monumental para todos nós no âmbito da transição energética, ao mesmo tempo que são também escaláveis. como tal, criam uma economia circular eficaz. Além disso, e talvez ainda mais importante, é o facto de o biogás ser capaz de, indiretamente, consegue garantir a melhoria da qualidade solos, que sabemos que é um problema considerável na Europa, minimizar a utilização de fertilizantes químicos que emitem uma grande quantidade de gases de efeito de estufa e, a somar a tudo isto, estimular a biodiversidade. Além disto, contribui para o desenvolvimento global e para criar uma economia circular realmente eficaz.

Para concluir, os gases renováveis são a chave para o desenvolvimento de uma economia neutra em termos de carbono na Europa. Até 2050, juntamente com outras soluções, o biometano e outros gases renováveis permitirão à Europa prosperar num sistema de energia totalmente renovável - tanto dentro como fora da rede. Com base nos benefícios de uma bioeconomia circular, fará uma utilização ótima de todos os nossos recursos através de uma produção alimentar sustentável integrada, reciclagem denutrientes, e soluções de tratamento de resíduos, melhorando ao mesmo tempo a nossa segurança de abastecimento e armazenamento de energia renovável.

Qual é o estado da indústria do biogás na Europa? Qual foi o contributo da EBA para os desenvolvimentos mais relevantes dos últimos anos?

HD: A Associação Europeia de Biogás promoveu e participou da tomada de decisão em todos os pacotes legislativos relevantes dos últimos anos.

Ao longo dos últimos anos, temos visto uma evolução positiva. Desde 2005 que o biogás tem sido utilizado para produzir eletricidade verde e, na verdade, eramos a forma mais barata de a produzir até as soluções como o vento e a energia solar se tornarem mais acessíveis. Na altura, eramos vistos como uma matéria-prima para a produção desta energia elétrica sustentável. Hoje, isto está a mudar. Cada vez mais o biogás é utilizado para produzir bio metano que é diretamente utilizado nos transportes, na cozinha ou no aquecimento dos edifícios.

Vemos uma mudança na indústria e a verdade é que no último ano e meio a produção de bio metano cresceu 40%. O que esperamos é que a tendência se mantenha até 2050.

O que será do setor energético até 2030?

HD: Muita coisa mudará nos próximos anos, mas não tanto como gostaríamos porque estamos em transição e estes processos começam, tendencialmente, a um ritmo lento e que vai acelerando ao longo dos anos.

Há ainda muito por fazer, mas o que esperamos ver do lado do gases renováveis é a proeminência de dois tipos de gás, especificamente: hidrogénio verde, para responder à transição da indústria, e biometano sustentável para o setor dos transportes, para a indústria, para o aquecimento dos edifícios, entre outros.

Podemos afirmar que, nos próximos anos, os países focar-se-ão cada vez mais no bio metano, incluindo Portugal, e a razão é simples: é uma fonte de energia renovável que pode ser produzida a nível local e que impacta positivamente o ambiente – os solos, a qualidade do ambiente, a agricultura, a biodiversidade, etc. – enquanto gera emprego local.

Sobretudo nos dias de hoje, com a situação entre a Ucrânia e a Rússia, compreendemos cada vez mais a necessidade de criarmos condições para a independência energética dos países, ou seja, assegurar internamente uma produção que corresponda à procura. Com isto, criamos também uma economia circular, que é um dos objetivos do futuro.

Há mais alguma coisa que gostasse de acrescentar?

HD: Sim, gostaria de dizer que me alegraria ver Portugal intensificar o reconhecimento do biogás e do biometano pelo facto de compreender o seu contributo para a biodiversidade, para a indústria e para a gestão de resíduos.

Gostaria de ver os países colocarem mais metas à utilização destas fontes de energia renováveis, como acabaram de fazer os Países Baixos e a Dinamarca. Nesse sentido, estamos disponíveis para ajudar os governos a criar uma fonte independente de gás renovável e sustentável que, ao mesmo tempo, está no centro da economia circular.