7/9/2021

Entrevista Eco-Oil: “95% dos nossos colaboradores têm orgulho no nosso trabalho – esse é o nosso caso de sucesso”

A Eco-Oil nasceu em 2001 para tratar as águas contaminadas dos navios-tanque que passavam pelo Estaleiro da Lisnave e hoje é a empresa portuguesa com maior capacidade para tratamento de águas contaminadas com hidrocarbonetos e está entre as cinco maiores empresas a nível europeu.

A inovação faz parte dos seus 20 anos de história, marcados pela revolução que o seu produto representou no mercado nacional. O EcoGreen Power, combustível reciclado que resulta da transformação dos hidrocarbonetos presentes nas águas contaminadas, é hoje a solução para inúmeras fábricas em território nacional. Não só pelo facto de apresentar uma melhor performance, como por representar uma significativa redução de emissões, em comparação com o combustível tradicional.

Atualmente, recicla 96% de todos os resíduos que recebe e, para o futuro, o foco é continuar a fazer parte da solução.

Entrevistámos o Diretor Geral da Eco-Oil, Nuno Matos, para conhecer melhor a empresa e o seu impacto no ambiente.

 

Porque é que a Eco-Oil se distingue das demais empresas que trabalham águas contaminadas em Portugal?

Nuno Matos: Instalações com as características da Eco-Oil não são comuns. Em Portugal, somos os únicos com a nossa configuração. Atuamos a uma escala supranacional, na região do Atlântico Norte e funcionamos como uma estação portuária de receção de resíduos (Port Reception Facility - PRF). A esse propósito, pertencemos também à Associação Euroshore International, que congrega as principais empresas europeias deste setor e que pretende ter um papel ativo na definição do quadro legal europeu e no acompanhamento das boas práticas deste setor.

 

Como se processa a produção do combustível reciclado?

NM: O processo começa com a chegada das águas contaminadas, que contêm frações sólidas e oleosas, às nossas instalações e como seu tratamento. Enquanto a água é tratada e devolvida ao Rio Sado, os resíduos sólidos, os sedimentos, são separados e enviados para aterros especializados e a fração oleosa é recuperada e constitui a matéria-prima para a produção de combustível industrial.

Na Eco-Oil, tratamos as águas contaminadas, através de um processo aprovado e licenciado, que inclui primeiro um tratamento físico-químico, uma unidade de tratamento biológico e duas colunas de carvão ativo, para garantir que as descargas no rio são inócuas ao meio ambiente, de referir que em torno da Eco-Oil existe uma importante comunidade piscatória e uma bem conhecida colónia de golfinhos. Fazemos verificações regulares à segurança intrínseca dos processos, para garantir que são continuamente implementadas as medidas necessárias para reduzir o risco de dano ambiental.

É importante referir e sublinhar que a descarga das águas tratadas no Rio Sado é feita em segurança e com todas as condições ambientais que a legislação obriga.

Qual o volume de água tratada e do combustível gerado?

NM: Anualmente, recebemos, em média, entre 50 e 70mil toneladas de resíduos, dos quais 96% são reciclados. Em 2020, registámos 20 milhões de litros de água tratados e a produção de cerca de 24 mil toneladas de combustível reciclado, o EcoGreen Power.

 

Qual o papel do EcoGreen Power na proteção do ambiente e o que o diferencia?

NM: O EcoGreen Power é um combustível 100%reciclado, ou seja, utiliza exclusivamente resíduos de hidrocarbonetos minerais como matéria-prima.

Este combustível tem um duplo impacto ao nível das emissões poluentes, desde logo, porque por cada tonelada queima da evita a utilização de uma tonelada de combustível fóssil equivalente, por outro lado, no processo de combustão de EcoGreen Power são libertadas menos emissões poluentes. Energeticamente equivalente ao combustível tradicional, o que verdadeiramente o diferencia é o facto de ser muito menos poluente. De acordo com a nossa estimativa, em 2020, o conjunto dos nossos clientes evitou a emissão de cerca de 3.900 toneladas de gases poluentes (ver relatório de sustentabilidade da Eco-Oil).

O facto de ser um combustível 100% reciclado evita a exploração de recursos naturais e, por isso, a sua pegada ecológica é menor. Se analisarmos o ciclo de vida do EcoGreen Power, a quantidade de CO2 incorporado é substancialmente inferior, uma vez que não temos emissões associadas à exploração, nem ao processo de refinação, ao transporte, ou à armazenagem. Partimos, desde logo, de um resíduo e transformamo-lo em combustível, que substitui integralmente o tradicional.

Por outro lado, este combustível reciclado permite poupanças do lado do cliente porque é mais eficiente, traduzindo-se numa redução dos consumos anuais em 4%.  

Assim, além de ter um baixo teor de carbono, tem menor impacto ambiental, para além da poupança económica para as indústrias que o utilizam.

 

Existe um número indicativo da potencial redução de poluição ambiental gerado apenas com o trabalho da Eco-oil?

NM: Os dados de que dispomos resultam de um estudo comparativo realizado por uma entidade independente, que conclui que o combustível produzido pela Eco-Oil, o EcoGreen Power emite 75% menos NOx, 99% menos SOx, 50% menos partículas e menos 30% de cinzas, face ao combustível fóssil tradicional. Isto a par da redução de 4% no consumo de combustível para a mesma quantidade de vapor produzido.

Perguntámo-nos qual seria o nosso impacto no mercado, quais as reduções que resultariam da quantidade de EcoGreen Power que comercializamos. No fundo, o que os nossos clientes evitaram pela escolha do nosso combustível em prejuízo do tradicional. O resultado foi uma redução de3900 toneladas de emissões poluentes, das quais 3600 toneladas de CO2 e 300 dos restantes poluidores (NOx, SOx, partículas, cinzas).

 

Quais são os setores em que atuam os clientes da Eco-Oil?

NM: A Eco-Oil comercializa o seu produto exclusivamente em Portugal. Trabalhamos diretamente no fornecimento de fábricas, desde o setor alimentar, o mais relevante, passando por indústrias mais pesadas, como a do papel, cimenteiras, até ao setor da cal.

Trabalhamos igualmente com distribuidores, empresas que compram o nosso produto e o colocam no mercado, sendo que nesse caso não temos informação do destino final.

O EcoGreen Power é utilizado para produção de energia, vapor ou outra, para suporte dos processos produtivos do Cliente, ou então para queima direta, como no caso da produção de cal.

 

Atualmente qual é o mercado alvo da Eco-Oil?

NM: O EcoGreen Power é um combustível industrial. A entrada no setor da mobilidade é uma aposta que queremos realizar e é, por isso, que temos estudado, num esforço conjunto com a academia, que investimento técnico teríamos de fazer para entrar neste mercado, no nosso caso iremos apostar na mobilidade marítima.

 

Considera que o combustível reciclado é um combustível verde? Porquê?

NM: Sim, é sem dúvida um combustível verde. Embora seja um combustível de base carbónica, o que o torna verde é o facto de ser100% reciclado - um processo que exige uma muito menor incorporação de CO2,quando comparado com o processo de obtenção e produção do combustível fóssil alternativo.

O EcoGreen Power, não só tem um baixo teor de carbono, como consegue substituir integralmente o combustível fóssil, o que constitui uma enorme vantagem ambiental. De referir que os resíduos tratados na Eco-Oil resultam da limpeza dos tanques de combustível dos navios petroleiros. O tratamento destes resíduos na Eco-Oil contribui de algum modo para se evitarem descargas ilegais em alto mar com impactos relevantes no ecossistema marinho.

 

Como analisa a indústria do tratamento de águas contaminadas em Portugal?

NM: A Eco-Oil não se compara diretamente com a indústria nacional porque a sua escala de intervenção é supranacional.

O que observamos no setor do tratamento de resíduos em Portugal é uma indústria madura, que tem expurgado os operadores menos competentes – também fruto do trabalho da Agência Portuguesa do Ambiente, que tem permitido a regulação do mercado, a vigilância dos operadores e garantido a preservação do ambiente. Posso afirmar que, do ponto de vista geral, as águas contaminadas são tratadas nas condições adequadas.

 

Como vê o impacto que a bioenergia avançada vai ter no mercado nacional?

NM: A crise pandémica está a acelerar a transição energética, quer na oferta de mobilidade elétrica, quer pela consciencialização dos diversos operadores na importância de explorar novas soluções mais verdes, com baixo teor de carbono ou que resultem de operações de reciclagem.

A pandemia veio incorporar o reforço da economia verde e aumentar a pressão no setor do Oil & Gas. Portanto, quer ao nível da mobilidade, quer ao nível dos instrumentos que os governos têm à sua disposição para penalizar as emissões poluentes, criarão mecanismos de transformação, que fazem com que os clientes sejam encaminhados, por pressão fiscal e da opinião pública, para estas novas soluções.  

A consciência ambiental das indústrias com as quais trabalhamos é decisiva para a aceitação do EcoGreen Power. E é esta mudança em alguns players, que contagiará o mercado e a necessidade de se transformarem em indústrias menos poluidoras, tendencialmente neutras em emissões, assentes numa lógica de economia circular.

 

Como vê o setor energético em Portugal e na Europa, em 5 anos?

NM: O setor energético vai estar sob pressão para procurar alternativas para a sua própria atividade. Hoje em dia, já encontramos nos postos de abastecimento alternativas, como o gás ou a eletricidade.

A eletrificação da economia vai ser uma realidade. Por isso, a Eco-Oil está também a explorar se poderá, de forma ambientalmente sustentável, transformar o nosso combustível em eletricidade e se isso faz sentido porque, quanto mais eletrificamos a economia, maior será a pressão no sistema eletroprodutor para entregar essa energia.

Este é um movimento que será inevitável e que trará grandes transformações ao setor nos próximos anos.

 

O que gostaria de ver aplicado no setor da Energia em Portugal?

NM: Muitas empresas procurarão a transição para soluções mais sustentáveis de forma forçada, através de mecanismos fiscais, ou por uma questão de opinião pública, da sua imagem perante a sociedade, de forma direta (mudança para soluções menos poluentes) ou indireta (através de programas de florestação, etc.).

No caso do EcoGreen Power, é fundamental criar mecanismos nacionais de diferenciação positiva face à alternativa fóssil, visto que o nosso combustível o substitui integralmente e não tem nenhum tipo de incentivo fiscal, nem ambiental ao nível da taxa de carbono aplicada. Essa é uma mudança que tem de existir e sobre a qual estamos a trabalhar junto do legislador, pois permitir-nos-ia tornar o EcoGreen Power mais atrativo tanto junto das empresas que se preocupam com a questão ambiental, como às que priorizam a questão financeira.

 

Outros temas que gostasse de acrescentar. Por exemplo, um caso de sucesso.

NM: A Eco-Oil é uma empresa pequena, mas à nossa escala fazemos aquilo que nos é possível no sentido de contribuir para um ambiente melhor. As nossas pessoas trabalham diariamente para produzir um combustível 100% reciclado e 95%dos nossos colaboradores referem que têm orgulho em trabalhar na Eco-Oil e que reconhecem a importância social do nosso trabalho.

Em 2020, o EcoGreen Power evitou a emissão de 3600 toneladas deCO2 e este é o nosso caso de sucesso. Em 2001, este combustível era um resíduo e em 2021 é um produto com um estatuto exatamente igual ao que sai de uma refinaria. O que é algo que nos orgulha.