10/10/2022

Entrevista LIPOR: "Face aos desafios da descarbonização, todas as alternativas que garantam a neutralidade são importantes"

Atual Presidente da Câmara Municipal de Valongo, José Manuel Ribeiro foi administrador da LIPOR – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto em 2013 e assume desde 2021 o cargo de presidente do seu Conselho de Administração desde 2021. Conheça mais sobre o trabalho desenvolvido pela LIPOR desde a sua fundação em 2009.

Qual a estratégia da LIPOR para a transição energética?

A Lipor identifica os temas da economia circular, transição energética, alterações climáticas e biodiversidade como prioritários para a sua estratégia de negócio. Neste contexto é relevante destacar duas vertentes. Enquanto agente emissor de GEE temos, desde 2009, metas ambiciosas de redução de emissões e, adicionalmente, enquanto agente indutor e promotor de conhecimento, assumimos a responsabilidade de sensibilizar e mobilizar os cidadãos e a sociedade. Tudo isto começou há 15anos quando nos propusemos refletir sobre três questões fundamentais nas Alterações Climáticas: É URGENTE? É CONNOSCO? É DO NORTE?
Depois da Estratégia 2M e 3M, a Lipor está a evoluir para uma estratégia com um grau crescente de integração: a Estratégia 4M – menos Resíduos, menos Carbono, mais Clima, mais Biodiversidade. De salientar dois importantes projetos que a Lipor está a desenvolver, nomeadamente: i) a captura e valorização do dióxido de carbono emitido na sua central de valorização energética de resíduos e transformação deste carbono em combustível sustentável para a aviação, e; ii) a valorização da fração biodegradável dos resíduos urbanos, transformando‑a num biogás que, uma vez purificado, poderá ser injetado na rede de gás natural tornando este combustível, atualmente 100%fóssil, cada vez mais renovável. Convido-vos a visitar o site da Lipor e conhecer mais sobre os nossos projetos. 

Na vossa visão, qual o papel dos biocombustíveis de resíduos e outros avançados na transição energética?

A transição energética tem que ser vista de modo holístico. Por um lado, há o vetor da eletrificação da sociedade e da economia. Por outro, temos muitas atividades e utilizações, que são cativas dos combustíveis fósseis, por exemplo, a rede de gás natural. Face aos desafios da descarbonização, todas as alternativas que garantam a neutralidade são importantes e terão um contributo relevante. Destacaria a importância dos biocombustíveis avançados, que incluem os resíduos, a biomassa e as culturas não alimentares(segunda geração), as algas (terceira geração) e as culturas modificadas(quarta geração). É até comum designar-se os biocombustíveis de segunda geração como biocombustíveis residuais, uma vez que são originários de resíduos de exploração florestal e de indústrias afins e também da fração biodegradável dos resíduos urbanos. Adicionalmente, avisão da Lipor vai mais além. As tecnologias de CCU (sigla em inglês para Carbon Capture and Utilization) têm merecido a nossa atenção. E porquê? Precisamente porque envolvem a captura do CO2 da combustão ou processos industriais, posteriormente usado como recurso para criar produtos (como combustíveis sintéticos ou synfuels). Há atualmente um aceso debate sobre os synfuels na Europa, enquanto solução de transição inevitável para motores a combustão. De acordo com Programa Europeu ReFuelEU Aviation, esses combustíveis representam atualmente apenas 0,05% do Jetfuel consumido na Europa e, de acordo com as propostas do Parlamento Europeu deverão representar2% em 2025, 37% em 2040 e 85% em 2050. E no caso concreto da Lipor, se o CO2 da Central de Valorização Energética (CVE) for incorporado - por exemplo, num processo de fabrico de synfuels - existirá uma transferência das emissões para novos produtos; com a enorme vantagem de que 58% do CO2 da CVE é biogénico (não fóssil) garantindo desta forma remoções de carbono ou "emissões negativas". 

Que impacto preveem que pode ter, em termos ecológicos, o aumento da incorporação destes biocombustíveis?

Como começa a ser unanimemente aceite, a descarbonização da sociedade e da economia é essencial para mantermos algum controlo nas alterações climáticas, já hoje evidentes. Não temos dúvidas que, felizmente, a descarbonização está em curso, embora a velocidades diferentes nas várias geografias e nos vários setores de atividade. Os biocombustíveis são energias renováveis, apresentando, desejavelmente, um balanço de CO2 neutro ou, pelo menos, melhor do que os combustíveis fósseis. Neste sentido a sua incorporação crescente será um contributo para termos, no curto prazo, uma economia com menor intensidade carbónica; rumo ao objetivo delongo prazo de neutralidade climática. Daí que consideremos da maior relevância tornar mais sustentáveis as utilizações e atividades que têm sido cativas dos combustíveis fósseis, como a infraestrutura de gás natural e os combustíveis de aviação. 

Existe, em Portugal, indústria para um dia chegarmos a incorporações de B20, B30 com biocombustíveis produzidos em Portugal?

O mercado nacional de biocombustíveis resulta de um enquadramento legislativo que incentiva a incorporação de combustíveis sustentáveis na gasolina e no gasóleo rodoviários, estabelecendo metas de incorporação obrigatórias. Atualmente, temos como metade incorporação vinculativa os 11% em teor energético. Mas atenção, a contribuição dos biocombustíveis produzidos a partir de cereais e de outras culturas ricas em amido, de culturas açucareiras e oleaginosas está limitada a7%. E é precisamente uma questão relacionada com matéria-prima que gostava de destacar. De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a incorporação de biodiesel no gasóleo rodoviário superou, em 2019, os 5%. Chegar a incorporações de 20% e 30% implica que haja maior capacidade de produção e, consequentemente, mais matéria-prima. Um relatório recente do LNEG, sobre o cumprimento dos critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis em Portugal, chegou à conclusão que apenas 7,9% do total de biocombustíveis produzidos em Portugal, tiveram como base matérias-primas com origem nacional. Estes dados levam-nos a concluir que, além de capacidade de produção será essencial repensar a origem da matéria-prima; sendo inevitável o “caminho” dos biocombustíveis residuais. 

Qual a visão da LIPOR para amobilidade daqui nos próximos anos?

Está em curso um debate muito vivo sobre as questões de mobilidade no futuro. A tendência parece apontar para a diversificação das soluções de mobilidade sustentável, onde, atualmente, está-se a assistir a uma crescente utilização de veículos elétricos; contudo os biocombustíveis e os combustíveis sintéticos (neutros ou de baixo carbono) irão desempenhar um papel inevitável na transição; em particular tendo em conta que a produção de veículos com motores a combustão irá terminar na Europa em 2035. 


Como vê o setor energético em Portugal e na Europa daqui a 10 anos?

A atual conjuntura mundial, e falo em particular da guerra na Ucrânia e de todas as suas consequências diretas e indiretas, mostra-nos que não deveremos dar por adquiridas as grandes conquistas; a qualquer nível (político, social, económico e também ambiental).Sem prejuízo, em Portugal e na Europa, temos capacidade para responder aos desafios redobrados que temos pela frente. Será de prever, pela negativa, um inevitável atraso na aplicação de algumas medidas de descarbonização. Refiro-me concretamente ao adiamento do phase-out do carvão ou até mesmo, como já adiantado pela CE, a possibilidade do uso de gasóleo para produção de eletricidade. Pelo lado positivo, podemos esperar uma Europa mais solidária, em particular na gestão comum dos desafios da energia. Uma Europa que pretende eletrificar cada vez mais a sua economia e, em paralelo, descarbonizar a produção da eletricidade. Saliento que em Portugal quase 2/3 da eletricidade provém de fontes renováveis. Outro aspeto positivo será a clara prioridade à segurança no abastecimento e autonomia energética, que poderá potenciar ainda mais a exploração de recursos endógenos.

Que outros casos de sucesso podem referir?

Gostaria de enumerar aqui outros Projetos que a LIPOR tem em avançado estado de desenvolvimento, como seja o Centro de Excelência para a área dos resíduos, para, em parceria com outras Entidades, se trabalharem Soluções ideais de Governança, de training de gestão de Inovação, de transição digital, para aplicação em Países com gestão de resíduos mais débil. Poderei também falar no Hub de Economia Circular, que será uma zona industrial por excelência, a construir em Laúndos (Póvoa de Varzim), nos terrenos anteriormente destinados a um Aterro Sanitário. Neste Hub pretendemos que se localizem Empresas inovadoras, promotoras de potenciais simbioses industriais, havendo também lugar à criação de uma Incubadora para Empresas. Por último referiria a Comunidade Energética Intermunicipal que estamos a montar e que agregará toda a produção de energia renovável, gerada em equipamentos municipais da região e fornecerá eletricidade para suprir as necessidades dos Municípios associados.