Começou na área da bioenergia em 2006 com o projeto da Martifer de construção da fábrica de biodiesel da Prio. Na altura ainda não existia a distinção entre convencional e avançada, já que todas as formas de alternativa ao combustível eram consideradas sustentáveis, independentemente da matéria-prima a partir da qual eram produzidas.
Acompanhou o processo legislativo que conduziu ao aumento da incorporação dos biocombustíveis a nível nacional e lembra-se bem do ano de 2014 em que o mercados e tornou mais livre, terminadas as obrigações impostas pelo Governo, com o propósito de proteger a indústria dos biocombustíveis, para que ela se pudesse implementar numa fase ainda embrionária.
Foi para conhecer a evolução do setor da bioenergia em Portugal e perspetivar o futuro que falámos com Nuno Correia, consultor na indústria.
NC: Apontaria o ano de 2014 como um marco no setor da bioenergia já que o término das obrigações impostas pelo Governo permitiu aos principais produtores de bioenergia, em Portugal, desenvolverem tecnologia para produzir biocombustíveis a partir de resíduos, um produto já valorizado a nível europeu.
Aí começa-se a falar de bioenergia avançada, não com este nome, mas como algo melhor em termos de emissões de gases de efeito de estufa. Isto porque, nesta altura, surgem as questões em torno da sustentabilidade da produção de biocombustíveis a partir de plantações.
O meu percurso está associado a estas evoluções e, durante estes anos, tive oportunidade de acompanhar o verdadeiro nascimento da bioenergia avançada. Presenciei o momento em que surgiu a necessidade de alternativas que permitissem produzir biocombustível sem precisar de ocupar solos e de produzir alimentos para os utilizar como matéria-prima para produzir energia.
Foi nesta altura que se começou a pensar no reaproveitamento dos resíduos, nomeadamente dos óleos alimentares usados. E foi também o momento em que a Prio começou a orientar a sua operação para a produção deste biocombustível de resíduos, um produto mais valorizado e que traria vantagem competitiva, numa altura em que a indústria em Portugal ainda não estava totalmente preparada para essa mudança.
Em2015 começa-se a discutir, na União Europeia, quais seriam as metas para o ano de 2020 e foi aí que as bioenergias avançadas começaram a ganhar força. A antecipação relativamente às fontes a partir das quais poderiam ser produzidas e às metas permitiu fomentar a implementação. Isto foi a chave para o desenvolvimento daquilo que são hoje.
Concluindo, aquilo que começou com o biocombustível geral, nos últimos cinco anos evoluiu no sentido de valorizar a utilização de desperdício para a produção de energia. Hoje o foco está, não só, na utilização destas matérias-primas, mas também de todas as outras soluções como o biogás, hidrogénio verde, HVO, eletricidade, entre outros.
NC: Uma das tendências que marcará o futuro próximo, e que é um resultado da mudança da RED para a REDII, é que hoje em dia já não se aceita um biocombustível só porque o nome começa por “bio”. É fundamental que poupe realmente nas emissões, em toda a cadeia de valor.
Na União Europeia cada vez mais se tem colocado metas e desafios para a descarbonização a médio e longo-prazo, nomeadamente, definindo os anos de 2030e 2050 como principais alvos de atuação. Isto significa que a Europa abraçou a descarbonização como uma das principais preocupações para os próximos anos e para a alcançar não basta substituir o combustível fóssil por biocombustível. É preciso que este seja produzido a partir de fontes seguras e que reduza, efetivamente, as emissões de GEE (Gases de Efeito de Estufa). É aqui que entra a bioenergia avançada – que não só está a ser fomentada, como é a único caminho a seguir para alcançar as metas impostas para 2030. Isto porque o estabelecimento destas metas implica encontrar soluções para os veículos com motor a combustão em circulação nos dias de hoje, que continuarão a precisar de um combustível líquido sustentável, produzido a partir de fontes renováveis, residuais.
NC: Tecnicamente os motores a combustão podem receber biocombustível praticamente a 100% ou misturado com HVO e outras alternativas. Isto significa que é possível arranjar uma panóplia de biocombustíveis que substituam totalmente o gasóleo. O mesmo não acontece com a gasolina, já que o próprio etanol tem um limite físico de incorporação, que nos motores atuais se situa nos 10% e que num motor adaptado poderia atingir os 80%.
Contudo, para atingir a neutralidade carbónica é imprescindível encontrar formas de diminuir as emissões provenientes da mobilidade - que sempre existirá, seja através de reduções na obtenção da matéria-prima, na distribuição, na própria circulação ou em projetos que permitam capturar o CO2. É neste jogo que vamos atingir a neutralidade carbónica.
NC: Atualmente, as crianças parecem que já nascem a saber de cor estes conceitos de reciclagem, reutilização e redução e é por isso que acredito que a melhor forma de explicar este setor é do ponto de vista da reciclagem.
Explicar que o produto que utilizamos para fazer andar o nosso carro é de uso único e finito, ou seja, haverá um dia em que não existirá mais. Isto é o mesmo que dizer que, um dia, o que nos permite movimentarmo-nos de um lado para o outro terá um fim. E é por isto que precisamos de pensar numa forma de fazer os carros, os barcos e os aviões serem alimentados por uma energia que se renova, que é quase infinita, seja ela o sol, o vento, as ondas ou os resíduos, o nosso lixo.
NC: O futuro é um mix composto por todas estas fontes de energia renováveis. Não há outra possibilidade porque neste momento não conseguimos produzir energia para satisfazer todas as necessidades a nível global a partir de uma só fonte. Precisamos de trabalhar em conjunto para responder ao consumo: seja para a mobilidade, para o bem-estar, para as indústrias, entre outros.
Isto é ainda mais verdade agora que ouvimos que a procura por petróleo está a aumentar à medida que retoma a mobilidade, depois de um ano e meio em suspenso devido à pandemia. O consumo a nível mundial é tão significativo e encontra-se em tal crescimento que o desafio passa por encontrar fontes de energia renováveis para substituir as quantidades de petróleo em utilização. E sem o mix isto é impossível. O desafio é acompanhar o crescimento da procura para que a percentagem de utilização destas fontes seja continuamente maior do que a do petróleo.
NC: Ao longo do meu percurso, que já vai longo, nesta indústria da bioenergia, tenho de destacar o esforço que Portugal fez para estar na vanguarda destes temas e da sua procura por alternativas sustentáveis.
Isto acontece, talvez, porque Portugal não é produtor de petróleo e sempre teve a ambição da independência energética. Contudo, o que é importante destacar é que todos estes projetos implicam um investimento muito grande, que nunca foi deixado de lado, mesmo apesar de todas as crises que o país enfrentou.
Nunca deixámos de inovar, de apostar neste futuro renovável, e acredito que a longo prazo dará frutos. Aliás, já está a dar, porque quando falamos em atingir a neutralidade carbónica, falamos num caminho para substituir o petróleo por outras soluções e Portugal, ao produzir essas soluções, está a pensar nos valores que poupará por não ter de as importar no futuro.
Tudo aquilo que importamos como fonte de energia é cada vez mais produzida em Portugal e isso faz-nos perspetivar os próximos anos com algum ânimo.