4/12/2021

Entrevista Resiway: "O nosso maior erro foi termos sido visionários"

A Resiway é uma empresa especializada na produção e no fornecimento de produtos intermédios de origem residual para a indústria dos biocombustíveis. Ao constituir-se solução para tratamento e valorização de fileiras de resíduos com elevados teores de óleos e gorduras, evita que estes sejam encaminhados para destinos de eliminação.

Quando a Resiway nasceu, em 2016, ainda não se falava em biocombustíveis avançados em Portugal e o mercado nacional de biodiesel estava ainda a dar os primeiros passos no sentido de se apetrechar tecnologicamente de capacidade para processar matérias-primas de origem residual com maiores teores de acidez e contaminantes. Nos primeiros três anos, o mercado de destino da sua produção foi Espanha.  

Contudo, hoje, quando se fala em biocombustíveis avançados ou em matérias-primas para esta indústria fala-se em Resiway. Em 2021, já conseguem afirmar que 80% da sua produção é utilizada em Portugal.

 

Quais as tipologias de resíduos com os quais trabalham?

Telmo Adrego: O mais representativo são as lamas resultantes do tratamento primário das águas residuais, industriais e urbanas, resíduos e subprodutos da indústria de refinação de óleos vegetais, virgens ou usados; resíduos da indústria agroalimentar à base de óleos vegetais, tais como rejeitados de linha, produtos não conforme e fora de validade; gorduras recolhidas dos separadores de gorduras dos estabelecimentos das industrias da restauração;  e, por fim, óleos alimentares usados e resíduos da filtração e decantação dos mesmos. Estes são as principais fileiras de resíduos com os quais trabalhamos.

 

Como explica o processo que a Resiway faz, desde a recolha do resíduo até à saída da matéria-prima?

TA: Tipicamente, os resíduos com os quais trabalhamos são constituídos por óleos e gorduras, água e matérias sólidas. A primeira fase do processo é a separação através de processos físicos ou físico-químicos desses componentes do resíduo. A partir daí, o efluente é encaminhada para processos de bio digestão, para a produção de biogás e posterior processo de tratamento tendente á sua devolução ao meio hídrico, os sólidos são encaminhados para unidades de compostagem e os óleos e gorduras são submetidos a um conjunto de processos de refinação e purificação de modo a que no final do processo tenhamos lotes com especificações adequadas aos requisitos dos clientes aos quais se destinam.

 

Qual é o papel dos resíduos na produção de energia e na proteção do ambiente?

TA: Do ponto de vista ambiental temos um impacto relevante, visto que representamos uma solução de valorização dos resíduos.

Naturalmente, esses óleos técnicos têm um duplo papel. Desde logo, porque reduzimos o encaminhamento deste tipo de resíduos para destinos de eliminação (aterros), prevenindo riscos de contaminação de solos, emissões atmosféricas e ocupação de terra. Por outro lado, tratando-se de resíduos com elevadas frações de efluentes com grandes teores de carga orgânica, estes são primeiramente enviamos para produção de biogás, contribuindo deste modo para a produção de energia renovável, e seguidamente o efluente é encaminhado para processo de tratamento tendente á sua utilização para efeitos industriais e/ou restituição ao meio hídrico. Portanto, há aqui uma componente de recuperação de volumes importantes de água, que cada vez mais merece uma proteção especial. E a fração sólida que compõe esses mesmos resíduos que nos chegam são encaminhados para processos de compostagem, para a produção de corretivos orgânicos, fertilizantes e outros.

Do ponto de vista económico, é importante destacar que a nossa atividade permite reduzir a importação de matérias-primas para produzir o volume de biocombustíveis necessário, de acordo com as regras e compromissos europeus de incorporação nos transportes. No fundo, contribuímos para a rota da neutralidade carbónica.

 

Estes resíduos têm todos origem em Portugal ou importa?

TA: A grande maioria dos resíduos que tratamos são endógenos e há potencial para aumentarmos esta recolha. Uma parte dos resíduos que tratamos são provenientes de Espanha, mas é um volume marginal.

 

Qual o impacto da Resiway, no tratamento das matérias-primas de origem residual e na produção de biocombustíveis avançados, no panorama nacional? Existe um número indicativo da redução de poluição ambiental gerado apenas com o trabalho da Resiway?

TA: Em 2020, tratámos cerca de 25 mil toneladas de resíduos, produzimos e colocámos no mercado cerca de 11 de mil toneladas de matérias-primas secundárias para o setor dos biocombustíveis. Com essa matéria-prima, foram produzidos biocombustíveis que, após serem introduzidos no setor dos transportes, em substituição de combustíveis fósseis, reduziram na ordem das 36 mil toneladas as emissões de CO2.

Além disso, recuperámos mais de 12 mil m3 de águas residuais para tratamento.


Como está a indústria transformadora de resíduos em Portugal? O que tem sido feito e o que há a melhorar?

TA: Esta indústria está muito ligada às políticas de gestão de resíduos e, nos últimos anos, tem vindo a ser feito um trabalho importante nesta matéria. Uma das primeiras frases que me foi dita quando cheguei a esta indústria, e que nunca vou esquecer, foi que “resíduo é matéria-prima fora de sítio”. Portanto, o papel deste setor é encontrar o sítio correto onde cada resíduo se possa constituir matéria-prima.

Ainda há um trabalho muito importante a fazer na sensibilização para a valorização dos resíduos. Atualmente, vemos a sociedade mais desperta para a separação e reciclagem do papel, do vidro e do plástico, e falta ir agora mais além. Um desafio importante do setor é, sem dúvida, promover a recuperação, a clarificação e a catalogação dos resíduos nos seus quadros correspondentes.

A indústria do Waste to Biofuel tem o desafio de acompanhar o ritmo de evolução dos desafios que, do ponto de vista da transição energética, se colocam. Estamos a dar os primeiros passos em termos de biocombustíveis líquidos e já se fala nos gasosos, na eletricidade. Esta indústria tem o desafio de se adaptar e de conseguir acompanhar o ritmo de transição da matriz energética.

 

Como é que a ABA se diferencia no panorama das diferentes associações?

TA: A ABA foi a primeira associação a colocar o tema dos biocombustíveis produzidos a partir de resíduos, na agenda. Até há algum tempo atrás, só ouvíamos falar da solução elétrica. Acordaríamos um dia e toda amobilidade seria elétrica, sem dar importância às fontes a partir das quais é produzida essa eletricidade.

Foi também a primeira associação a ter um discurso claro sobre o assunto e a afirmar que a transição para a mobilidade elétrica é inevitável, mas que ainda existem lacunas que precisam de soluções.

Sabemos que a progressiva descarbonização dos transportes é o caminho e que os biocombustíveis são a única alternativa para efetuar essa transição e alcançar as metas intercalares definidas.

Por isso, o principal mérito da ABA é ter colocado os biocombustíveis avançados na agenda política e mediática, como uma alternativa que nos próximos anos desempenhará um papel mais efetivo, que tem um contributo importante no caminho para a neutralidade carbónica.

 

Como vê o setor energético em Portugal, e na Europa, em 5 anos?

TA: O que vejo para os próximos cinco anos é um setor em total efervescência. Neste momento, há fontes energéticas renováveis, como o biogás, que creio que nos próximos anos terão um papel muito importante. Existirá um progresso no sentido da valorização energética dos resíduos, que hoje são encaminhados para inceneração. As fontes renováveis tradicionais, como, por exemplo, a energia fotovoltaica, eólica, entre outros, continuarão a ter um papel muito importante, mas o panorama bioenergético estará certamente em transformação.

Daqui a cinco anos já nada, ou muito pouco, será como é agora. O mercado está claramente em mudança, com muitos atores que têm apresentado novas soluções, estão a ser feitos grandes progressos em tornar economicamente viáveis grandes tecnologias, que até há pouco tempo só eram viáveis para grandes volumes, a serem escaladas para produções mais descentralizadas, mais locais, de menor dimensão.

Há também uma componente cultural muito importante na adoção e na efetivação destas políticas energéticas, que creio que está a mudar. As novas gerações são claramente mais sensíveis a este tema. Portanto, tudo isso, me leva a crer que o futuro é de profunda transformação da nossa matriz de consumo.

 

Como vê a Resiway, o impacto que os biocombustíveis avançados vão ter no mercado nacional?

TA: Creio que os biocombustíveis, líquidos ou gasosos, terão um papel cada vez mais preponderante. Aquilo que se assiste hoje, à escala global, com as declarações de intenção do setor da aviação ser movido a biocombustíveis. Em Portugal, discute-se se nos devemos cingir às metas que a União Europeia traçou ou se devemos ir mais além, uma vez que conseguimos, temos uma dinâmica que nos permite ir mais longe.

 

Será que nos poderia contar um pouco mais sobre a história da Resiway

TA: Atualmente, fala-se em biocombustíveis avançados, mas, quando a Resiway nasceu, em 2016, ainda não existia este conceito. Durante uns anos o que fazíamos era estranho a grande parte do setor.

Consideramos que o nosso maior erro foi termos sido “visionários”, termos percebido antes do tempo o que seria o futuro, por termos chegado ao mercado prematuramente. Como se costuma dizer, “ter razão antes do tempo é não ter razão”. Acreditámos que o mercado seria mais ágil, mais rápido a preparar-se para adotar este tipo de produtos, com esta proveniência.

Nos primeiros três anos de Resiway, o seu mercado era Espanha, que, do ponto de vista dos biocombustíveis, sempre teve abordagens tecnológicas mais “atrevidas”. Só depois conseguimos começar a introduzir alguns volumes no mercado nacional. Hoje, a lógica está totalmente invertida: introduzimos 80% da nossa produção em Portugal e apenas 20% é exportada para o outro lado da fronteira, para clientes a quem devemos a nossa existência e que, ainda hoje, consideramos que devemos estimar. E quando se fala em biocombustíveis avançados ou em matérias-primas para esta indústria fala-se em Resiway.

 

Para 2021, qual é a expectativa?

TA: Para este ano a nossa ambição é crescer. Se não duplicarmos os números do ano passado, estaremos lá perto e isso demonstra também a tendência do que é o futuro do setor energético.

Se, em 2020, produzimos e colocámos no mercado cerca de 11 mil toneladas de matérias-primas secundárias, para o setor dos biocombustíveis, em 2021 queremos colocar o dobro.